25 abril, 2011

Passageiros clandestinos (Água de lastro)

Os porões de 100 mil navios cargueiros são uma ameaça à biodiversidade

O tráfego naval é outro fator que está levando a biodiversidade marinha à ruína. Noventa por cento das mercadorias comercializadas entre os países são transportadas por navios. A frota mundial de cargueiros chega a quase 100 mil. Para os nossos padrões rodoviários, até que não é muito: é um
quinto dos carros que deixam São Paulo rumo ao litoral num feriado prolongado. Além disso, os
grandes cargueiros não despejam na atmosfera nem metade do dióxido de carbono que os caminhões de nossas estradas. Mas, então, por que os navios são tão ruins? Porque seu impacto ambiental não se mede só pela poluição que ele gera mas pela quantidade de vida que carrega.

A flotilha de cargueiros do planeta transporta, além de seus contêineres, algo entre 7 mil e 10 mil
espécies de criaturas marinhas todos os dias. Algumas viajam grudadas no casco, enquanto outras
vão nadando nos 10 bilhões de toneladas de água de lastro levadas nos porões dos navios. Estima-se que, a cada 9 semanas, uma dessas espécies se instala de vez em um ecossistema novo. E se dá muito bem por lá – o que causa uma confusão dos infernos na comunidade local.

Uma das conseqüências dessas viagens clandestinas teriam sido as 10 mil mortes por cólera na
América do Sul – os primeiros casos da doença aconteceram na região dos portos, e os vibriões
podem ter viajado pela água de lastro vinda de áreas endêmicas. Nos EUA, o problema é o mexilhão-
zebra, originário de lagos da Rússia e que infestou 40% das vias navegáveis internas do país. O bicho se reproduz vertiginosamente e se incrusta em tudo o que é superfície dura – de cabos de internet submersos a pontes –, contamina tubulações de água potável e entope filtros dos sistemas de arrefecimento industriais. E gerou gastos com medidas de controle de até US$ 1 bilhão entre 1989 e 2000. Os animais marinhos também sofrem: no mar Negro, a água-viva filtradora Mnemiopsis leidyi se espalhou assustadoramente, comendo os estoques de plâncton e matando de fome crustáceos e peixes.

Você deve estar se perguntando por que os navios precisam carregar essas criaturas. Funciona assim: quando um cargueiro sai vazio ou meio cheio do porto, ele tem que armazenar água do mar em tanques, para ter a mesma estabilidade (o chamado lastro) de quando está com carga completa. Chegando ao porto de destino, ele esvazia os tanques enquanto carrega as mercadorias. E essa água vem misturada a areia, pedras, mexilhões, plâncton, peixes, bactérias, vírus. Toda a turma cabe lá dentro porque quase toda espécie marinha tem em seu ciclo de vida uma fase planctônica, em que é minúscula.

Em 2004, uma convenção internacional da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) estabeleceu parâmetros de gerenciamento das águas de lastro para cargueiros. Apesar de ainda não ter entrado em vigor, já induziu leis nacionais, como no Brasil, a exigir a troca da água de lastro em alto-mar (evitando a invasão nas regiões costeiras). Sistemas de filtração conseguem impedir a entrada de organismos maiores nos tanques de lastro, alguns tratamentos de aquecimento da água ou supersaturação de gás podem matar boa parte dos organismos ali dentro – mas não vírus, bactérias e protozoários. Enfim, não existe um método totalmente eficaz de eliminação dos invasores. E nem há o que fazer contra mexilhões e larvas que se prendem ao casco dos barcos.

Enquanto isso, a indústria naval promete dobrar sua frota até 2025. Os navios vão promover uma globalização que vai além de uniformizar as marcas nas prateleiras dos supermercados: a globalização dos ecossistemas submersos.

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